Nota Pública sobre o emprego da Força de Segurança Pública em assentamentos na Bahia

PGR-00197146/2019

NOTA PÚBLICA

Emprego da Força Nacional de Segurança Pública

A Portaria MJSP 441, de 16 de abril de 2019, autorizou o emprego da Força Nacional de Segurança Pública (FNSP) nas ações de preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, na defesa dos bens e dos próprios da União, na Esplanada dos Ministérios, em Brasília/DF, em caráter episódico e planejado, pelo período de 33 (trinta e três) dias, a contar de 17 de abril de 2019.

O marco legal para emprego da FNSP é a Lei nº 11.473, de 2007, a qual tem sido objeto de sucessivas alterações. A referida legislação não regula especificamente a instituição e as hipóteses de mobilização da Força Nacional de Segurança Pública, mas sim a cooperação federativa no âmbito da segurança pública. A lei foi editada para promover e autorizar o apoio da União às atividades de segurança pública de competência dos Estados e do Distrito Federal, como consta do parágrafo único de seu artigo 2º:

Parágrafo único. As atividades de cooperação federativa têm caráter consensual e serão desenvolvidas sob a coordenação conjunta da União e do Ente convenente.

A existência da Força Nacional de Segurança Pública é tratada apenas incidentalmente na Lei nº 11.473/2007, notadamente no artigo 5º, §§ 1º, 11 e 14, artigo 6º, § 1º, artigo 7º, caput, e artigo 9º. Esses dispositivos dizem respeito apenas a aspectos administrativos relativos à composição, custos e direitos dos integrantes da FNSP. Ou seja, a lei não disciplinou a convocação desse aparato de segurança.

O seu prefácio exclusivo quanto à FNSP é de ser um instrumento de atuação da União na cooperação federativa em segurança pública. Portanto, o pressuposto necessário de sua mobilização é o acordo com o ente federativo que tenha a competência originária para a atividade de segurança pública a ser reforçada.

O Decreto nº 5.289, de 2004 – também objeto de sucessivas alterações – é o ato normativo que cuida mais detalhadamente da Força Nacional de Segurança Pública. O ato regulamentar reitera, no artigo 2º, o caráter de complementaridade desse aparato às ações dos demais entes e ressalta que o seu emprego se dá com base na cooperação federativa. Os artigos 1º e 2º são suficientes a tal conclusão:

Art.1º – Este Decreto disciplina as regras gerais de organização e funcionamento da administração pública federal, para desenvolvimento do programa de cooperação federativa denominado Força Nacional de Segurança Pública, ao qual poderão voluntariamente aderir os Estados interessados, por meio de atos formais específicos.

Art.2º – A Força Nacional de Segurança Pública atuará em atividades destinadas à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, nas hipóteses previstas neste Decreto e no ato formal de adesão dos Estados e do Distrito Federal. (Redação dada pelo Decreto nº 7.318, de 2010). (grifos nossos).

A redação original do artigo 4º do referido decreto dispunha, em harmonia com a Lei nº 11.473/2007, que o emprego da FNSP dependia de solicitação do governador do Estado ou do Distrito Federal. Não obstante, em 2013 esse dispositivo foi alterado para incluir a hipótese de mobilização da FNSP também por solicitação de Ministro de Estado. Eis o atual teor do dispositivo:

Art. 4º – A Força Nacional de Segurança Pública poderá ser empregada em qualquer parte do território nacional, mediante solicitação expressa do respectivo Governador de Estado, do Distrito Federal ou de Ministro de Estado. (Redação dada pelo Decreto nº 7.957, de 2013)

A hipótese de convocação da FNSP a partir de solicitação de Ministro de Estado deve, por óbvio, ser interpretada à luz da Lei nº 11.473/2007 e, fundamentalmente, da Constituição Federal. Nesse sentido, não pode servir de sucedâneo à intervenção federal em um ente federativo, visto que a intervenção federal em Estados e no Distrito Federal está restrita às hipóteses do artigo 34 da Constituição Federal e depende da estrita observância dos procedimentos regulados no artigo 36 subsequente.

Para não se afirmar a inconstitucionalidade e ilegalidade absoluta e abstrata da previsão de emprego da Força Nacional de Segurança Pública a partir de solicitação de Ministro de Estado, tal como consta da redação do artigo 4º do Decreto nº 5.289/2004, é preciso interpretá-la nos mais restritos limites das atividades de segurança pública executadas ordinária e diretamente pela União. Vale dizer, a FNSP poderá atuar por solicitação de um Ministro de Estado quando se tratar de cooperação com um órgão federal civil ou militar responsável por uma atividade de segurança, notadamente a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal e a Polícia Ferroviária Federal ou, ainda, a proteção do patrimônio público federal (eventualmente a cargo das Forças Armadas).

Por outro lado, é manifestamente inconstitucional e ilegal o emprego da Força Nacional de Segurança Pública em atividade de segurança preventiva, ostensiva ou investigativa, originariamente de responsabilidade de um Estado ou do Distrito Federal, por mera solicitação de um Ministro de Estado, salvo, eventualmente, em situações de intervenção federal.

A União, para determinar o emprego da FNSP em ações genéricas de preservação da ordem pública e da incolumidade da população, depende sempre de solicitação do governador do Estado ou do Distrito Federal.

Em conclusão, o Ministro da Justiça e Segurança Pública extrapolou sua competência ao editar a Portaria MJSP nº 441, de 2019. O governo federal não pode autorizar que a FNSP seja utilizada em “ações de preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas (…) na Esplanada dos Ministérios, em Brasília/DF”, à margem de solicitação prévia do governador do Distrito Federal.

A Portaria em análise poderia, no máximo, ter autorizado que a FNSP fosse utilizada para contribuir com as ações militares de defesa dos prédios públicos que ordinariamente compete às Forças Armadas proteger. E, ainda assim, desde que haja fundamentadas razões para esse reforço, tendo em vista a excepcionalidade da medida e os custos envolvidos, o que não foi justificado na hipótese.

DEBORAH DUPRAT

Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão

MARLON ALBERTO WEICHERT

Procurador Federal dos Direitos do Cidadão Adjunto